sábado, 30 de novembro de 2013

Espero












Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.

              Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Ausência


No vazio de mim, na noite, procurei-te...
tacteei as sombras e não te senti, perdi-me...
deixaste-me? fugiste-me?
Insisto... procuro-te. Passo os dedos pelas formas, as nossas...
apareces-me em luz recortada num feixe fugaz. Tento alcançar-te...
esquivas-te? foges-me?
Salto. Tento acompanhar-te, mas ... escapas-te.
Na ânsia de ver-te, procuro-te nas minhas fantasias, nas telas que pintei contigo, 
guardo-as na cave escura das memórias, das nossas...
Colo a tua imagem nos meus olhos,
só eu te poderei ver, só eu poderei ter-te... porque és meu e eu...
quero-te só para mim! 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Poema de Eduardo Pitta




Adivinhamos inquietos os olhos
e o poema dos dois corpos.
A nossa vida tem sido um passar
sem pedir licença.
Um dia e outro dia depois,
como quem adestra relâmpagos.
Eduardo Pitta
Uma surpresa, gostei muito!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Opalus


Quero fazer ninho no teu peito vazio, deitar-te no meu colo e afagar-te,
soprar-te ao ouvido canções de embalar, mimar-te o mais que possa, 
como se me morresses nos braços e fosse eu o teu único amparo
beijar-te!
morder-te! remorder-te!
tocar-te!
sentir no teu corpo quente em brasa,  o rio que me percorre, 
sedento de uma foz onde desague, se espraie e se funda, 
esvaíndo-se em êxtases de arco-íris
abraçar-te!
açambarcar-te!
cingir-te a mim!
 fundir-me em ti!
mergulhar nos teus olhos de água, cristalinos, opalas iridescentes...
voar do teu peito em queda livre para o abismo,
 que nos suga,
que nos acorrenta 
à condição de não-ser,
e a percorrer o caminho
como eternos errantes do cosmos...


domingo, 24 de novembro de 2013

Outono boreal


Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

Pablo Neruda


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Igneum


Fogo que queima e arde a carne que se come, a carne que se afaga,
a carne que morre.

Fogo que é calor, brasa, fátuo fogo que ilumina, incendeia, mata
fogo d'ouro mortal,  oferecido,  prometeu sabedoria ao deus-homem.

Fogo que arde e consome, desejo que agiganta em pira de ganância,
 verdade que acorrenta,  fogo divino que atormenta,
 que nos lambe e crepita, estremece e tremelica,
numa  pequena chama:  ígnea-alma.

Ângulo (s)



"Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar oco de certezas mortas? -
(...)
- Por sobre o que Eu não sou há grandes pontes
Que um outro, só metade, quer passar
Em miragens de falsos horizontes -
Um Outro que eu não posso acorrentar... "

Mário de Sá Carneiro

domingo, 17 de novembro de 2013

Devaneios


Como não possuo e não me encontro
e nem sou um,  nem o outro,  ou intermédio
tenho em mim todos os sonhos do mundo e,  nada serei...
minha alma d' oiro, a mona,  agora fuma e bebe e traça a perna
em sobolos rios vão, Maria fui ... Marta talvez
porque,  aqui e agora,  quem manda sou eu.

E quanto mais me escondo mais me avisto, 
os meus olhos são meninos que na estrada andam perdidos: 
a ausência é um estar em mimalma e sangue e vida
mas,  muito senhora da minha vontade.
  
A minha tristeza é sossego, é  corpo, 
corpo encontrando o corpo e por ele navegando 
nestas mãos nocturnas onde aperto os meus dias quebrados na cintura.

É quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro.
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Não se perdeu nenhuma coisa em mim, continuam as noites e os poentes
O que há em mim é sobretudo cansaço...

Valeu a pena? Tudo vale a pena...
Mas não sei para onde vou...




 

sábado, 16 de novembro de 2013

Vitrúvio


Prometeu que vinha ...
Agigantou-se na noite fria e profunda ...
Guardou o fogo e ... 
Não o encontrei ...
Em vitrúvia cama ficou ...

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Ponto de Fuga


O Tempo urge e corre!

- Ao longe uma imagem de mim vagueia inerte no plano.
Estraçalha farripas de sangue que escorrem 
em lágrimas rasgando a carne quente.

Fugaz labareda que lambe!
Gotas de água que brotam da  fenda profunda no abismo, 
que lavra e sulca gretas de dor.

O espaço rasga e fere!
O silêncio mata! Jaz!

A morte obscena levanta o véu.
Diáfana encruzilhada - devir eloquente, profano, amigo 
- portal espectro de sombra negra que oculta.

- Contra o Tempo!

Imerge a alma. Esquiço fugaz de esperança.
A imanência do ser jorra, nasce e imerge em pranto...

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Diamante


Pedra preciosa, tão pura e cristalina, que em bruto se esconde a conhecer ao mundo para 
 em mil reflexos de luz iluminar quem ousa olhar.
Lapidá-la é mestria de sábio.

Mortal



Ás vezes gostava de ser
do tamanho do mundo
com um coração prenhe de dar,
de aconchegar no meu peito
a dor que trespassa e fere.

Ás vezes gostava de me fazer vento
e soprar na brisa 
o alívio de ser, soltando
o cabelo como raios de luz cintilantes.

Por vezes, recolho-me 
na imensidão de mim e perco-me, 
fugindo em cada recanto retorcido
e estreito, onde
por vezes é difícil ficar lá...

Choro, rio, sofro e amo, sou afinal
 mortal ...  

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Ser mãe



Faz anos hoje que fui mãe pela primeira vez.
Um momento único, esperado e bem-vindo. Uma menina... perfeita e linda.
Foi primeira em tudo: filha, neta, bisneta, sobrinha.
Sofia. 
A sua luz ilumina-nos e abençoa-nos todos os dias.
Foi o primeiro dia do resto da minha vida...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Camminus


Sentou-se ao meu lado e deu-me a mão.
Não a esperava, apareceu-me de rompante e instalou-se. 
Senti-lhe o calor das mãos. Abraçou-me. Sentia-a tão próxima a mim.
Com os olhos fechados via-a olhar-me no fundo de mim.
Era transparente.
 O espectro da minha luz  crepitava bruxuleante em tons de oiro e fogo,  queimando a chama da vida que habita em mim. 
Ela afaga-me o rosto e afasta -me os cabelos e em cada bochecha repinica um beijo (faz-me lembrar a minha avó) e, acto contínuo,  dá-me uma palmada no rabo.
 - Então? - Olhei-a de frente... 
- Era para te espevitar! Acorda... Mexe-te... - Diz-me ela.
- Preciso de ti, do teu ombro! Preciso do teu colo. Sabes, ás vezes o caminho parece sinuoso e escuro, com alguns perigos à espreita. Não sei se consigo chegar... 
- Aonde?
- Ao arco íris. Sabes é lá a nossa casa. A casa de onde parti faz muito. Apanhei uma estrela e fui ver o que havia do outro lado. Perdi-me algumas vezes, outras fiquei à espera, outras ainda construí castelos e ainda outras cheguei a encruzilhadas mas,  tudo foi um caminho para chegar aqui.
- Estás cansada?
- Um pouco. Gostei que tivesses vindo. Pensei-te zangada pela tropelias que te faço...  Às vezes quero esquecer-me de ti. O teu olhar penetra-me e perscuta o meu íntimo tão profundamente que me incomodas...
- Vês-me a espreitar-te?
- Sim vejo-te no espelho e quase sempre não me vejo.
- Porque será? És tu ou sou eu?
- Sou mim...

domingo, 10 de novembro de 2013

Seria... (para um amigo)


Na concha do teu colo encosto o meu ouvido e 
ouço o teu pulsar: tum, tum,tum, tum  e 
ao fundo o mar.
Afago os teus cabelos e 
os meus dedos deslizam nas ondas suaves com ternura.
Agarro-me a eles para não cair no abismo que o meu ser carrega.
Embalas-me...
 lembras-me canções há muito esquecidas.
O teu perfume inebria-me- a maresia instala-se e 
percorre cada pedaço de mim, cada grão de areia que rola no teu olhar.
Aconchego-me mais, 
apertas-me de encontro a ti e 
sinto-te firme como uma pequena rocha onde eu me ancoro...
e se me deixares... para sempre.
Sinto-me grande, como Odisseu! 
Eis a sereia que tomei para mim. 
A que quis olhar e sentir! 
Ousarei ouvir-te se quiseres, sem medos , sem artifícios.
 Resgatarei com pulso a minha condição: 
amar-te até à eternidade e sempre,
 sempre que estas linhas sejam lidas... 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

R.I.P. (in memoriam)



Vivo em Lisboa. 
Num bairro no cimo de uma colina  sobranceira ao Tejo que avisto, tem, por paredes meias com Monsanto e pelas muitas árvores que proliferam tanto pelas ruas como pelos jardins das casas apalaçadas e palacetes que por aqui existem, uma fauna rica e por vezes inusitada que vagueia por elas. 
Bairro habitado por pessoas de várias idades, e devido à abundância de escolas na zona, um tráfego intenso de crianças,  adolescentes e universitários a caminho. 
Fora os dias de semana e do horário escolar, o bairro é pacato e calmo parecendo uma pequena aldeia onde todos mais ou menos se conhecem e o espírito de entre ajuda, de cuidado, da cusquice, da maldicência,  da vontade de chatear porque sim, impera.
 Por vezes, sentados na esplanada do café vemos passar aos gritos característicos um bando de periquitos/papagaios que esvoaçam alegremente entre as árvores da escola e as do jardim. Co-habitação estranha nestas paragens, mas já devidamente referenciada. 
Os esquilos também passeiam pelos troncos das árvores e, de árvore em árvore, por vezes com saltos entre elas, andam em busca de melhores frutos pela vasta superfície arbórea existente. 
Na paragem do autocarro, muitas vezes, e sobretudo de manhã avistava-mos um pequeno esquilo que fortuitamente assomava-se ao cimo do muro do extinto hospital, e procurando o melhor ângulo de ataque ao caminho por ele imaginado, subia ao tronco da árvore mais próxima e descendo-o afoitava-se a atravessar a estrada a caminho do outro tronco da árvore fronteira para prosseguir na sua demanda matinal.
 Era sempre uma benção e um regalo para todos quantos,  na espera fastidiosa dos transportes e no enlevo das preocupações e problemas de cada um, a visão daquele pequeno ser nervoso, atiradiço, corajoso de medo, sobrevivente numa selva urbana, vislumbrava-mos a sua aparição fugaz num momento mágico. 
Era a figuração ao vivo e a cores da feroz luta da sobrevivência travada por um pequeno ser, 
 tão frágil  a nossos olhos. 
Podíamos dar largas à imaginação e inventar-lhe uma história, um passado, uma família, pedaços de quotidiano que gostamos de imprimir aos outros sejam eles reais ou inventados, animais ou outros. 
Eu, 
gostava de o saber feliz, por entre as árvores frondosas cheias de bagas suculentas, envoltas num manto de bruma matinal que propícia a aparição de fadas e seres etéreos que habitam a floresta, com os filhotes numa toca confortável e seca,  a crescerem para perpetuarem a espécie e dar continuidade à roda da vida do planeta.
A comunhão que partilhava com a natureza causava-me cobiça.
 Deleitava-me saber da sua afinidade com a terra, com as árvores, com o ar, com o Sol.
 Da simbiose perfeita do ser com o espaço e o tempo, tão perfeita que não tem consciência nem vontade, limitava-se ser.
Hoje lá apareceu de novo.
 Na sua maneira de ser, nervoso e fugaz.
Do muro saltou para o tronco, do tronco para o chão e atravessou ...  
A sua pequena luz acendeu-se no plasma cósmico. 
 Jaz seu pequeno corpo na berma do passeio, debaixo de um carro onde se acoitou após o impacto que o colheu. 
 João de Barros era a rua... 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

(Re) Nascimento


Alexandra

Antes de ti, já o Tempo te esperava,
Leve, paciente e ansioso.
Expressão viva de alegria, 
Xaile e manta em frio de quem sente,
Avenida hospitaleira de quem se perde e está só.
Na vida fria, és calor e abraço
Dado em conforto brilhante e aceso.
Rosa furiosa e intensa de beleza una,
A vida, de ti, espera sempre o MELHOR!
(Manuel Vieira) 

Uma oferta muito querida do meu grande amigo Manel! Os seus olhos são deveras benevolentes!