sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Ninho


Dei-lhe a vida.
O sorriso, a candura e até o feitio.
Especial, muito especial.
Vimo-la crescer, tornar-se menina e depois mulher.
Alimentamos-lhe desejos e sonhos.
Muitos... ainda por cumprir.
Mas vê-la construir o seu ninho
decidida num futuro que é dela,
faz crescer no peito a certeza dos passos dados.
 
Voa e sê feliz!

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

In vino veritas


 
Vesti-me de roupa elegante
Calcei sapatos de salto
Penteei-me com esmero
e pus batom na boca... vermelho.
Fiquei bonita.
Saí.
Mostrei-me ao mundo.
 
Voltei.
No camarim, o robe
pendurado atrás da porta.
Vesti-o.
Tornei à minha pele.
Fiquei só.
 
Dos cabelos tirei sonhos
Da boca palavras, beijos e sorrisos,
Dos olhos sonhos a cor pintados,
Dos dedos anéis de fogo torcidos.
Do coração alfinetes de dama rombos, feridos.
 
Num copo de vinho
Quente e rubro,
 mergulho, afogo-me e brindo...
À minha vida!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Por dizer...




Em sufoco surdo cala-se o agudo grito
que arranha e fere a garganta.
 
Apagado o som, anulada a voz,
gritam aos olhos pingos embaciados de dor.
 
Cabe aos dedos limpar o rosto
e desenhar serenidade na muda boca.
 
Tanto fica por dizer...

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Foco



No desacerto de mim encontro compasso entre minha alma e eu.
E,  na métrica fixa da vida, o esteio da purga desenfreada.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Africando



Diz o meu nome

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas
te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça.
 
Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno.

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci. 

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos. 

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome.

                                         Mia Couto

 

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Aos meus amores ...




Infinito: potencial, absoluto e actual.
Infinitivo: impessoal e pessoal.
 
Infinito infinitivo: Amar, amar, amar...

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Champagne


Assim se faz o caminho.
Cada pedra colocada no seu lugar,
com calma e paciência,
em busca constante de perfeição.
Colmatam-se fissuras, fendas, rachas ou faltas
com argamassa de solidez relativa, que, por vezes,
ao menor abalo ou tremor,
faz ruir a levada. E a esperança,
um terço da mistura alquímica do alicerce fabricado,
funde-se em líquido esquivo que escorre a fio no vazio. 
 Mas, nascer de novo e mais uma vez, 
 traz a vontade de mergulhar em espirais
de bolhinhas de ar que ...  fazem impressão no nariz!

domingo, 19 de outubro de 2014

Joana

Tantas estrelas no céu!
Sempre nasce uma nova,
que desce à terra em rastro fulgurante de luz para deleite de nossos olhos.
A nossa está a chegar!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Libertas (mote)


O poder criador que vive na escrita,  solta na folha em branco,
riscos e pontos que traduzem  palavras do sopro divino que nos habita.
Por vezes nos liberta, outras... nos agrilhoa.  

"A poesia é o ponto de intersecção entre o poder divino e a liberdade humana." Octávio Paz

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Igualitas (mote)

Defendo a igualdade de raça, de género, de direitos, de princípios, de trabalho.
Defendo, por princípio, que somos todos iguais, com os mesmos direitos e deveres.
Defendo o princípio cristão que nascemos todos iguais perante os olhos de Deus e
que o Sol nasce igual para todos.
IGUAIS
Porém, gosto, subscrevo e recomendo: vive la différence.  

"Um dos aspectos da desigualdade é a singularidade - isto é, não o ser este homem mais, neste ou naquele característico, que outros homens, mas o ser tão-somente diferente deles." Fernando Pessoa

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Fraternitas (mote)



Toc, toc,
bates-me à pele,
pedes-me permissão para entrar...
nos olhos o carinho e
no sorriso o afago prometido,
o abraço apertado 
na carapaça da concha que me tornei.
 
Pressinto escorrer quente a seiva
do teu peito materno
que eu a espaços retorno.
 
Recebo-te,  mas, sem compromisso.




Verba


 
 

Em vermelho fogo sangue escrevo palavras...
 palavras não ditas,
proscritas, malditas,
palavras soltas de gritos mudos.
Foi tarde que comecei a falar...

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

De cor...

A vida tem cor. 
Contem em si pinceladas coloridas que avivam e abrilhantam estados de alma.
Que exprimem sentimentos em escala que podem ir de um negrume opaco e baço a um dourado reluzente e fulguroso,
passando por azuis e roxos de Sá-Carneiro,
 aos verdes e rubros de Cesário,
aos cinzentos plúmbeos e cerrados de Pessoa,
aos laranjas vibrantes e possantes de Van Gogh
 e aos matizes de Manet ou, ainda,
 aos múltiplos pontos de inúmeras cores de Seurat.
Mas, de que cor será um sorriso FELIZ?
Não há-de ser amarelo!

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Mi

Dias de reflexão, estes...
de mais um ano na (des)construção da minha pessoa.
Falta um terço do caminho, um terço de eu.
Boa! Já sou mi ...

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Dialogum

Num banco de jardim, dois amigos à conversa:
 
- Não sei se algum dia voltarei!
- Aonde?
- Ao lugar de onde vim. Do lugar onde marquei o horizonte para longe...
- Hás-de voltar, quando aprenderes de novo a voar.
 
E o menino da lapinha, com os seus olhos calmos e doces,
prendeu mais uma lágrima no seu coração.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Verbo



O Futuro é... a seguir ao Presente.
E o Presente segue-se ao Passado que  pode ter sido perfeito, mais-que-perfeito, imperfeito até.
Mas o tempo verbal que comanda tudo,
paulatinamente,
decididamente,
definitivamente,
é o Imperativo coadjuvado pelo Infinitivo.
Tudo simples e nem é preciso ir buscar o Conjuntivo.
Diz o poeta que o sonho comanda a vida...
Pois, tem dias...

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Vislumbre




A horas flébeis, outonais -
Por magoados fins de dia -
A minha Alma é água fria
Em ânforas d'Ouro... entre cristais...

Mário de Sá-Carneiro
 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Devoçao


Agradeço-te, Senhor, Príncipe da Luz,
todas as dádivas conseguidas
de vida, de sangue, de amor.
Serei teu cordeiro todos os dias.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Sophia sempre...






                                   Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
                                   Mal de te amar neste lugar de imperfeição
                                   Onde tudo nos quebra e emudece
                                   Onde tudo nos mente e nos separa.

                                  Que nenhuma estrela queime o teu perfil
                                  Que nenhum deus se lembre do teu nome
                                  Que nem o vento passe onde tu passas.

                                   Para ti eu criarei um dia puro
                                   Livre como o vento e repetido
                                   Como o florir das ondas ordenadas.


                                                                    Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Obra Poética”

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Autobus do Olimpo

Saíu a horas.
Cronos nunca se atrasa. Como motorista é exemplar.
Encheu logo à partida. Muitos Sísifos e Hefestos, algumas Vênus, Pandoras e Helenas, poucos Apolos, duas Heras.
Alguns semblantes carregados. O silêncio corta. Só o frou-frou das vestes se ouve. Alguma tosse, porque o tempo está instável. Por vezes surge um traje mais arrojado, numa nova forma de prender os panos. Aparecem alguns ganchos engraçados nos cabelos teimosos de caracóis apertados.
Todos voltam dos seus trabalhos e os dias são iguais de segunda a sexta. Saio a meio da viagem. Estou de volta a Academia.
Aguardam-me epopeias, tragédias, romanceiros e estórias de encantar. Todo o teatro da vida que pulsa e vive nos livros. 
Sou uma pequena mortal de óculos que, numa metamorfose adiada e tardia, se deslumbra e transforma, crisálida que se vê grega para chegar a horas.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Noite

Vens de mansinho e instalas-te,
no ar corre, arfando, o teu cheiro inconfundível,
laivos de anil pintam-te de cor...
sentas-te,
com fitas compridas e laços apertados
envolves-me,
e
abraças-me,
no peito almofada envolvo os cabelos
em caracóis de cascata tumultuosa,
...sereno...
embalas-me com novenas de coro grego e
pintas-me olhos estrelados,
brilhos e fulgores antigos
e o pano de boca espanta-se
abre e fecha em respiro necessário
em suave tragédia feliz
em actos sucessivos até, apoteose final,
 um reconfortante sono dormido.