quinta-feira, 27 de março de 2014

Ventus

Sabes...
às vezes o vento sussurra-me ao ouvido
palavras que penso não conhecer,nunca as ouvi mas, sinto-as,
como se a língua estranha em que são proferidas
me seja  inata, mãe, ancoradouro, porto-abrigo.
A ladainha me embala e acolhe
em rochedo liso de água tépida, útero aconchego-inicial.
O principio o meio o fim, tudo converge,tudo se une, (re)une, unifica, cerne.
E o corpo balança, cede, dança e os cabelos são folhas
e os olhos estrelas e a boca fruto e os braços ramos e as pernas tronco
e os pés raízes que perfuram a terra e crescem,
espalham-se e sorvem a seiva profícua da origem.
Sou...
Semente, sémen, ovo, óvulo, célula, 
fragmento, parte, todo, nada...
Spiritus

Doer

Cai uma pedra no lago e todo o mundo se desmoronara:
o eco ressoa no horizonte da angústia,
as asas estremecem, antecipam o grito
de uma ave que se libertou,
ávida de outro mar,outra gente, outros passos.

Voar! Partir!
Caminhar entre-si, entre-outros!

No pó das estrelas escrever palavras,
lágrimas de prismas coloridos, que partilham o firmamento.

terça-feira, 25 de março de 2014

Que horas são?


No acaso de tudo ser...
Ser nada será tudo e
no caso de não ser nada,
tudo será sempre uma possibilidade e
nada será sempre uma evidência...


"Come chocolates, pequena, come chocolates." Álvaro de Campos

segunda-feira, 24 de março de 2014

Linha de horizonte


Há linhas que separam
o bem do mal,
o amor do ódio,
a sanidade da loucura. 
Há linhas que delimitam o espaço, a vontade, até os limites.
E depois há a linha da vida,
que pode ser longa, contínua, forte ou ténue ou até 
interrompida
As intermitências é que são terríveis...


quinta-feira, 20 de março de 2014

Primavera...

Hoje renasce a natureza... 
um novo ciclo,
vida, morte, esperança e...
uma pinta que não devia estar
no lugar onde se instalou.
Há marcas que não deviam renascer...

segunda-feira, 17 de março de 2014

À espera...I

Todos os dias, sempre à mesma hora, vejo-o na paragem de autocarro à espera.
Espera a companheira com os olhos postos no lugar de onde ela virá ao seu encontro.
Sei que a espera, pois muitas vezes, quando passo um pouco mais tarde, vejo-os aos dois:  
apanham o meu autocarro.  De regresso a casa, parece.
 Ela certamente virá do trabalho... 
quase sempre vem de semblante carregado, o rosto fechado, enigmático, onde, parece-me, carrega uma indiferença para com ele. Talvez cansaço...
 Ele abnegadamente segue atrás dela, 
como que a protegê-la das agruras da vida que até aquela hora lhe escapa, 
mas, daquela em diante, ele controla. 
Parece desamor do lado dela e entrega incondicional da parte dele.
Será?
 Existe uma grande diferença de idades entre eles.
 Ele afigura-se pessoa dos seus sessenta e muitos, talvez até setenta, 
ela ragariga nos seus quarenta e poucos, bem nutrida de carnes. 
Ele cavalheiro à moda antiga, um pouco pintas, 
de pochette  e óculos escuros, um pouco marialva,
típico português, de outros tempos. 
Ela seduziu-o na sua frescura nova, rosto ladino e formas voluptuosas,
ele a conquistou no charme de homem vivido, mais velho e nas suas maneiras.
Será? 
 Todos os dias, de segunda a sexta, à mesma hora,  a espera,  para fazerem aquele percurso os dois,
 a par de um outro, a vida que partilham, provavelmente, já a algum tempo.
 Não se beijam,  pelo menos ainda não vi, 
mas ele carrega-lhe os sacos e, talvez, a dor de um dia já não o poder fazer
e de já não poder esperar por ela... amorosamente.
Ela, já não irá ao seu encontro, não terá alguém à sua espera e  
certamente não terá com quem partilhar o peso da rotina que, parece, a consome.
Será?  

sexta-feira, 14 de março de 2014

Recomeçar...

A corda do tempo ressoa o compasso vazio,
preenche o peito e as mãos numa névoa espessa
tolda os olhos e os sentidos.
Na esquina do corpo molda-se a entrega que não se mostra, 
espaço vago que encolhe, estica, vibra e replica, 
 pulsão de medo, ternura e abandono.
O amor escorre como lágrima, lapidado e esculpido. 
Protege, definha, consome.
Casulo, concha, caixa.
Quarto, cela, cubículo, cofre.
Tempo. Espaço. Compasso. 
Ovo.
Tempo de (re)nascer. De (n)ovo.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Amor...


"Amo como o amor ama.
Não sei razão para amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
se o que quero dizer-te é que te amo?"

                                                                                              Fernando Pessoa