Todos os dias, sempre à mesma hora, vejo-o na paragem de autocarro à espera.
Espera a companheira com os olhos postos no lugar de onde ela virá ao seu encontro.
Sei que a espera, pois muitas vezes, quando passo um pouco mais tarde, vejo-os aos dois:
apanham o meu autocarro. De regresso a casa, parece.
Ela certamente virá do trabalho...
quase sempre vem de semblante carregado, o rosto fechado, enigmático, onde, parece-me, carrega uma indiferença para com ele. Talvez cansaço...
Ele abnegadamente segue atrás dela,
como que a protegê-la das agruras da vida que até aquela hora lhe escapa,
mas, daquela em diante, ele controla.
Parece desamor do lado dela e entrega incondicional da parte dele.
Será?
Existe uma grande diferença de idades entre eles.
Ele afigura-se pessoa dos seus sessenta e muitos, talvez até setenta,
ela ragariga nos seus quarenta e poucos, bem nutrida de carnes.
Ele cavalheiro à moda antiga, um pouco pintas,
de pochette e óculos escuros, um pouco marialva,
típico português, de outros tempos.
Ela seduziu-o na sua frescura nova, rosto ladino e formas voluptuosas,
ele a conquistou no charme de homem vivido, mais velho e nas suas maneiras.
Será?
Todos os dias, de segunda a sexta, à mesma hora, a espera, para fazerem aquele percurso os dois,
a par de um outro, a vida que partilham, provavelmente, já a algum tempo.
Não se beijam, pelo menos ainda não vi,
mas ele carrega-lhe os sacos e, talvez, a dor de um dia já não o poder fazer
e de já não poder esperar por ela... amorosamente.
Ela, já não irá ao seu encontro, não terá alguém à sua espera e
certamente não terá com quem partilhar o peso da rotina que, parece, a consome.
Será?