quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Happy Days



ao cabo e ao resto,
sobrevêm
 a todos os dias rectos, lentos e avessos
os dias felizes...
entalhados a sangue e suor,
embutidos de lágrimas e alegrias,
lapidados, perfeitos, únicos
poucos... tão poucos, alguns
dias felizes...
esquivos...
ao ego insurrecto,
ao absurdo do nada em tanto e em tudo...
ao fim e ao cabo,
a vida.   
 

terça-feira, 31 de julho de 2018

Andorinhas



Daqui,  onde me prendo,
doo a quem parte os meus olhos
para que ganhem asas,
e soltos sorvam o mundo,
obliterando o desconhecido,
coleccionando memórias de tempos idos,
ouvindo pedras que calam testemunhos
sofrimento, horrores, sangue... uma pátria júbilo
por cima das mortes, epifanias, loucuras, guerras, teimosias...
e de regresso, 
tragam a certeza de serem maiores,
maiores que o seu tamanho,
prenhe da riqueza do tanto que viram e,
como duas boas meninas,
voltem feito andorinhas.


sexta-feira, 20 de julho de 2018

Passei por aqui



Passei por aqui
seguindo os teus passos.

Se deixares creio em ti.

Se me deixares,
apesar do nós escrito no céu
afogar-me-ei em mágoa
nos meus olhos perdidos
do náufrago sorriso que foste
de entre todos escolhido.

Se deixares,  vivo para ti.




quarta-feira, 27 de junho de 2018

No outro lado do espelho



Existem fantasmas que nunca viste nos meus olhos…

É possível que a luz da lua os tenha iluminado.

Nem sequer reparaste como branquearam os meus cabelos,
como os riscos na pele me vincam as feições
ou como já não se nota bem o contorno dos meus lábios.

Não percebes?! sinto o chão a ceder e em cada passo
a estrada já não contempla o infinito… apenas uma luz intensa que me convida...

Ainda te recordas dos sorrisos mudos e dos olhares cúmplices
que trocávamos quando tudo estava dito sem uma única palavra?

Deliro. Olho o espelho e procuro-te. Ainda me vês?

Procuro-te para que me reconheças,
mesmo que não seja eu, me compreendas confidente
e sejas mensageiro na comunhão do silêncio que nos habita 
Talvez os meus olhos estejam turvos e  hoje  não te reconheça.

Por vezes ausento-me de mim,  sou outra realidade...
volto a ser menina, volto a ser irrequieta, volto a ser aquilo que nunca pensei ser,
pois nunca quis ser coisa alguma (estranho… não me lembro de querer ser,
nem mais nem menos do que sou, ou seja, nada…)
como chocolates, ainda sonho, ainda penso...
mas também me entedio, me aborreço e me desespero
e ao espelho apenas me vejo baça, gasta e farta…
tentarei de novo amanhã, uma e outra vez
e tantas quantas forem precisas. Talvez te encontre...

Ainda me procuro no outro lado do espelho!





terça-feira, 19 de junho de 2018

Fluxograma

A montante
não trago planícies nem vales ou montes
verdes pastos ou frondosas árvores
nem nascentes ou regatos
nem animais ferozes ou exóticas aves
nem extensos mares nem aventura
tão pouco, nome simples ou brasão comprado
fortuna ou fardo antigo ou ainda,
feição bela ou graça alguma.

A jusante
nada trago em mão, apenas olhos
sopesados de tanto quanto podem abarcar
ver, tocar, ler
vasto horizonte cruzado
- linhas rectas, perpendiculares, circulares -
fundindo mar e terra, ponto de fuga
forjando sentidos
tábua-palco, cortina, luzes, acção.

Acolho em areia fina,
leito enviesado em sobressalto - estreita ampulheta!
seiva e sumo de vida a escorrer a fio,
desaguando em única vez.



sexta-feira, 15 de junho de 2018

De tarde



Nêsperas e laranjas caem dos ramos prenhes
e  a maresia invade as narinas saudosas do sal,
bordadas,  no ainda pungente verde,  rubras papoilas
com salpicos de brancos sanganhos e madressilvas entre cardos.
Ao vento abrem-se asas de andorinhas e o canto das gaivotas
exalam perfumes doces de magnólias e acácias em flor. 

(fixam-se sorrisos nos rostos felizes
interpretando pedras desconhecidas num mapa desdobrado
na pausa duma mesa com um copo de vinho à saúde da vida
e à alegria que patrocina… prendem-se memórias para lembrar)

Estendo os olhos e deito-os no mar azul-céu.

O sol amorosamente beija o mar que sem pudor sorve-lhe a vida …
nele morre e ressuscita
não sem antes oferecer-lhe um crepúsculo de rosáceas
e os olhos deitados acompanham as ondas
e vão longe a acompanhar o barco
que teima transpor o horizonte a caminho do oriente…


Vestiram-se de purpura os passeios da cidade
e ainda tanto para ler...


segunda-feira, 28 de maio de 2018

Paúis



Entre a certeza do passado e a possibilidade do amanhã
vai um estio bravo de gretas fundas e gritos mudos
na surdina dos dias que, parece não ter fim
tangida no eco que se faz presente ainda,
jazendo nas entranhas da carne que já roeu até ao osso
e que tremeluz em fogo-fátuo,  rebuscado em má memória

São pedras recolhidas na saca urdida de nós vivos
entrelaçados de esperança e brilho aos olhos pios,
acreditados em meio século de vida
nos bem-aventurados e escolhidos trilhos que,
agora, se bifurcam em dentes arrevesados
apontando arco-íris nos paúis que roçam o horizonte finito,
a exigirem ladrilhar o caminho...




quarta-feira, 11 de abril de 2018

Choupal



Todos os dias te entrego em desalinho
o corpo de olhos fechados
galgando açudes, planaltos, margens,
paisagem escura ao peito
entre raízes, troncos e copas caducas
à procura de âncora na luz do teu sorriso 
no calor dos teus braços 
que me sustêm e prendem ao leito para
por fim confiares-me ao mar, meu destino.


quarta-feira, 21 de março de 2018

Poesia


Do nada
surge a necessidade de semear palavras
lavrando o papel a tinta permanente
sulcando a inquietude na alma
e o desassossego no coração...
e o nada
transforma-se em tudo
em água, em sangue, em pão
razão de ser, fogo, brasa,
asa de liberdade, semente,
flor, sorriso, bastão.

Poesia...absolutamente!

terça-feira, 13 de março de 2018

Prender-te-ei




A chávena de chá exala a doce cidreira ou a bela luísa, empurrando o frio.
E as palavras dançam com os olhos no palco branco guardado por portas espessas.
As letras formam palavras, como etéreas cortinas à boca de cena...
A cada página, em cada virar de folha, o ponto diz as deixas...

Ainda não floriram os jacarandás...
Talvez ainda, as laranjeiras não tenham flor e o seu cheiro ainda não carregue o ar...
Provavelmente, os rios ainda levam muita água e o vento fustiga as árvores arrancando folhas...
É ainda possível que o mar  se agigante em mostrengas ondas...

O carreto desenrola o fio, dando largas à rédea solta da trama que enleia e absorve,
fixando imagens como fotolitos cravados em chapas
memorando instantes, vislumbres para sempre fixados, em cada vez que se abra de novo as portas...

- Prender-te-ei... !


quinta-feira, 1 de março de 2018

Letreiro...


A noite cose tafetás escarlates no avesso da alma.
Tece nas veias dúvidas e questões
e embainha medos em dobras nunca imaginadas.
À medida disse o letreiro...
Sonhado.
O dia ofusca brilhos irisados que emergem ainda amarrotados e dolentes,
escondendo a brava negritude.
À medida diz o letreiro...
Inventado.
Rasgando os olhos franzidos a custo,
a linha da vida alterna no pano
erguendo costuras que levantam o descaído e fraco corpo.
E avança,  e acrescenta, arrepanha,  tira e põe, dispõe... corta!
Nasce, renasce, ressuscita, transforma...
À medida dirá o letreiro... 
Vivido.