segunda-feira, 28 de outubro de 2013

No início era a luz...



No princípio era a energia. A energia que nos faz, nos molda, nos preenche.
Somos feitos à semelhança de um poder criador que tudo abarca e tudo é. 
Quântica.
Pedaços de energia em profunda mutação, que se transformam e se recriam numa viagem intemporal e infinita pelo espaço da criação em busca do início primordial da luz.
Por vezes o percurso é sinuoso e sofrido. Por vezes esquecido. A centelha criadora jaz efémera, titubeante no seu crepitar, ténue, sumida na sua força. Não se apaga nunca, hiberna.
Espera.
Pacientemente até que algo a desperte da letargia e a ouça, olhe, crie e renasça o poder criador que sempre esteve lá, a força.
E do caos se faz logos, da desordem dos sentimentos reconstrói-se o corpo e a alma na sua forma mais pura, aberta, disponível para a sabedoria, grande. Equiparada à mãe, numa fusão de semelhança, de verosímil, de verdade primordial, onde tudo é e será, é e foi. 
Ser...

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

D' existir


Apetece-me  largar tudo. 
Desistir de existir aqui.
Mas sei que não devo nem posso fazê-lo... 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Almas Gêmeas


Procuraste-me.
Senti os teus dedos tocarem-me. Tremi. Um frémito percorreu o meu corpo, como uma corda de um instrumento musical. Beijei-te as mãos. São belas. Grandes. Fortes. Fazem-me sentir segura.
 O teu corpo oferece um porto de abrigo, que me envolve e aconchega. Amarro o meu corpo ao teu. 
Numa cadência de ondas suaves somos o universo, o caos e o cosmos, o fim e o princípio, a morte e a vida. Explodimos super nova. Ao redor o silêncio, a paz, a magnitude da criação.
O tempo parou. Uma suave brisa quente murmura nos nossos ouvidos. 
O tempo primordial nos envolve.Estamos onde partíramos.  
Completamo-nos.
Vejo-me nos teus olhos.  Só assim me (re)vejo de facto. No teu espelho gosto do que olho.
Os teus olhos filtram-me, apuram-me, veneram-me.Não me vejo assim... Mas ao ver-me através de ti parece tudo fazer sentido.  Como se fossemos apenas um e eu perfeita.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Angelus



Ao de leve o teu bater de asas fez soprar uma leve brisa de ar envolvente que me acordou.
Abri os olhos e vi-te pousar a asa por cima de mim protegendo-me.
Gostei de sentir a leveza da penugem na minha pele, fizeste-me cócegas.
Senti o afago e o carinho que me dedicas, a comunhão.
Entreguei-te as dores, as queixas, os sonhos e a minha loucura. 
Senti-me leve, solta, pluma, pena e, de repente, voei...  
Voei voltas e reviravoltas, num turbilhão de piruetas e voos picados nas tuas asas.
 Não precisamos falar. 
Comungamos a transcendência e a leveza de ser. Experiências profundas nos unem  num espaço e num tempo, que sabemos, serem nossos.
Como se o tempo e o espaço fossem um só e nós um todo. 
Pousaste-me suavemente de regresso e vi-te sorrir com o peito cheio e as asas de anjo ergueram-te no firmamento. 
Sinto que vais voltar...

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Cyclamen



Solidão.
Hoje sinto-me só. Um nó na garganta instalou-se. Os olhos facilmente escondem-se em águas profundas e turvas que escurecem o olhar.
Não quero chorar.
Olho em volta, procuro o sol...
Apetece-me sentar. Abraçar as pernas em novelo e aconchegar-me em mim, como se tentasse agarrar-me por inteiro, sem deixar de fora qualquer pedaço meu. Tento acomodar-me.
Fecho-me. Tranco-me por dentro. 
Casulo. Concha. Toca. Abrigo. Mantra. Fé.
Hoje sou só eu e só.
Hoje não entra ninguém...



terça-feira, 15 de outubro de 2013

D' Alma


Hoje atropelei-a.
 Andava a chatear-me. De manhã vi-a a espreitar ao espelho. Lá vinha ela com os seus cabelos ondulados em desalinho. Triunfal.  
Ignorei-a. Voltou a escolher-me a roupa. Deixei.
 Por vezes deixo-a tomar conta de mim, ás vezes mima-me. Diz-me exactamente o que quero ouvir. 
Sabe tão bem! 
Outras vezes irrita-me solenemente.
 Odeio-a!  
Odeio! Odeio!
Quem pensa ela que é!
 Por vezes dou com ela sentada a olhar para mim e a rir-se com aquele sorriso malandro do tipo estou a ver-te, sei o que estás a pensar. 
Mando-a embora mas volta sempre. 
Quando menos espero lá está ela a espreitar-me.
 Mas hoje atropelei-a. 
Vinha a correr para entrar no escritório e de repente voltei-me... sem dar conta esbarrou em mim. 
Caiu.
 Olhei-a sem remorso e sem pena. Deixei-a ficar ali.  
Só tive de compor o meu vestido, que por sinal até me fica bem e foi ela que escolheu.
 Durante uns dias andará zangada...

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Dandy


Surgia sempre envolto nas suas roupas cinzentas e largas. Gesticulava com veemência e defendia as ideias com firmeza. Havia temas predilectos, dos quais, fosse em que contexto fosse, sempre vinham à baila com a vivacidade que a revolta lhe trazia: a condição feminina, a escravatura, o trabalho infantil, entre outros.
 E dissertava, repetindo-se uma e outra e mais outra vez. A viagem pelo século fazia-se por caminhos variados, com desvios profundos a outras eras. 
As pinturas eram mostradas como estandartes de mudança numa civilização que teimava romper as grilhetas do passado sombrio, fechado e obscuro. 
A origem do mundo resplandecia com toda a verdade à frente dos nossos olhos.
 À primeira vez, de uma forma contida e recatada, à segunda de rompante como que se fosse aquela a sua emancipação.
 De facto houvera mudanças. As roupas, agora mais justas e de cores mais claras, confiava-lhe uma jovialidade agora retomada. 
Algo mudara em sua vida.
 Parecia mais solto, mais leve, talvez até menos taciturno. Pedia desculpa pelas repetições, mas... os temas que lhe eram favoritos, esses eram incontornáveis. 
Mas não fora só isso.
 Algo o tinha denunciado muito antes. 
Terá sido um beijo trocado inocentemente na esplanada....

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Margarida Vale de Gato


ÉMULOS

Foi como amor aquilo que fizemos
ou tacto tácito? – os dois carentes
e sem manhã sujeitos ao presente;
foi logro aceite quando nos fodemos
Foi circo ou cerco, gesto ou estilo
o acto de abraçarmos? foi candura
o termos juntos sexo com ternura
num clima de aparato e de sigilo.
Se virmos bem ninguém foi iludido
de que era a coisa em si – só o placebo
com algum excesso que acelera a líbido.

E eu, palavrosa, injusta desconcebo
o zelo de que nada fosse dito
e quanto quis tocar em estado líquido.
in Mulher ao Mar,  Mariposa Azual, 2010
Uma experiência fantástica e inédita. Adorei!

terça-feira, 8 de outubro de 2013

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Ainda a propósito da idade




Nasci noutro tempo, não do tempo da outra senhora que o era, mas num tempo onde os valores sociais tinham outra dimensão. Ás meninas convinha uma educação feminina, esmerada e prendada.
Tínhamos de aprender a sentar, a andar, a comportar-mo-nos com educação, a saber vestir-mo-nos de acordo com a ocasião e a linguagem devia ser correcta e agradecida.
O pudor era exercido sob a forma de repressão. Não era bonito mostrar ou descobri-lo. Havia que escondê-lo e tudo o que se relacionasse com sexo era velado e oprimido. Vislumbrar um corpo nu, só se fosse de um bebé ou criança pequena. A célebre frase "já és uma mulher" quando do primeiro período é um clássico de um ritual de passagem a uma fase adulta, para a qual não fazíamos a mínima ideia do que era.
Também sou daquelas que saí de casa do meu pai para a casa do marido, também minha em partes iguais, embora na altura com um esforço maior da parte dele.
 A famosa emancipação, para mim, foi nessa altura.
 Passar a ser dona do meu nariz, ter uma vida autónoma, ser corpo e sangue e viver todas as horas com o meu amor, era a maior conquista. A árvore tenra que já se aguentava sózinha no seu caule delgado, apesar de eu achar enorme. 
A árvore frutificou e cresceu profícua na sua função: engrossou o tronco, cresceu a copa...
As marcas do tempo estão  patentes no tronco desta árvore da vida, como registo das anos que passaram, com veios e sulcos, nós e cicatrizes de tempestades agrestes, que já lá vão e que servem agora de escudo a outras que surgirão no futuro.
 Contudo, há uma pequena marca, singular e brilhante que se destaca no tronco: 
um coração com as letras R e X.

   

Hoje o que eu não dava por um café...



Hoje precisava mesmo de um café. Mas não o bebi... Os deuses estavam literalmente contra. No Olimpo Zeus decidiu que eu anax não devia tomar café e puniu-me. Enviou seu relâmpago fulminante e intercedeu na minha vontade. Raios! Reclamei com o pobre guardião: ou me dá o café ou o dinheiro - desculpe isto não é um assalto. 
Eu só queria um café...Vejamos se amanhã Zeus estará mais manso. 
Prometo que se não beber café amanhã, vou chamar os meus irmãos...

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Cama


A propósito de um texto que andamos a ler e nesse contexto, esta cama seria a cama-barco. Decerto nos embalaria na corrente da água revolta, em busca de uma ilha onde aportar e descansar da viagem que fizéramos. Esta era mais sofisticada que a cama-jangada do Pacheco e com menos tripulação, não seríamos cinco mas somente um. Eu e quanto muito mais outro, para sermos um (a equação de Almada).
Seria eu e o Orpheu, em seus braços descansando os olhos e o corpo, num sono encantado, justo e reparador, ou eu e Neptuno, cavalgando na espuma das ondas agarrada ao seu tridente, com os cabelos soltos ao vento,ou ainda eu e Apolo entoando belas poesias de encantar numa melodia inventada, ou eu e Cupido rindo e dando beijos, exalando amor. Poderia ser... Mas também podia ser a cama-casulo, a cama-ninho, a cama-rochedo, a cama-abrigo, a cama-ilha (esta não me saiu bem parece uma toalha para uma mesa redonda), enfim poderia ser simplesmente cama, se é que se pode ser só uma cama (pense-se na cama de Platão e aquilo é complicado, não a cama mas o pensamento ou a ideia ou a imagem que ele tem dela -  talvez a dele não fosse confortável e lhe trouxesse uma carrada de insónias e volta para cá, volta para lá, congeminasse teorias platónicas,  como as paixões que não dão em nada, enfim, não sei).
 A minha cama é simples, quente, confortável, aconchegante, envolvente e caridosa: recebe-me sempre de braços abertos, afaga-me os cansaços e embala-me os sonhos, que me levam a outras dimensões, estrelas  e quimeras que trago nos olhos ao acordar. 
São sete horas, levanta-te - diz-me Adónis carinhosamente. 
Todas as noites dorme comigo.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Liberdade

"Não quero e não vou abdicar dele" - dizia-me ela na sua voz rouca e condoída de revolta pelo absurdo da proposta negada. Perante a incongruência dos sentimentos, da repulsa dos actos, a certeza de algo que não quer que lhe escape por entre os dedos, fá-la ter coragem para enfrentar o que , pelo menos aparentemente, até ali, lhe fora de certa forma indiferente. Mas a que propósito outros nos podem forçar a atitudes e privações, a intervir na nossa liberdade, de nos atordoar sentimentos ou impor regras que nos agrilhoam e nos ferem, de uma forma gratuita e mesquinha. Ao amor não cabe o ciúme. O gostar de alguém é aceitá-lo conforme é e respeitar a diferença, a amizade, a ternura e o carinho. È ser-se companheiro nos bons e maus momentos, é caminhar ao lado e não por ele. Tratar o outro como criança, impondo regras de conduta e de convivência é ter uma postura paternal perante outro, o que nos tempos que correm não tem sentido (nem nunca teve!). E afinal o que se trata aqui é de AMIZADE. Amigos feitos na inevitabilidade da vida e na consequência de uma escolha numa demanda que para uns tardou mas chegou e noutros na busca de algo mais. Encontros fortuitos parecem, mas que por detrás ocultam percursos, caminhos que, quem sabe, terão de ser partilhados entre eles. Pessoas que nos enchem de orgulho de serem nossas amigas e de na sua simplicidade de ser,  por serem grandes, nos  tocam a alma e nos fazem ter coragem para enfrentar o Mundo. E, se preciso for, altruísticamente assumir aquilo que não será.